terça-feira, 13 de março de 2007

Televisão






Pela televisão ela via o mundo. Mas que mundo era aquele? Todo santo dia tinha uma história, que diziam ser uma reportagem sobre as drogas. Primeiro a repórter subia o morro, escoltada por traficantes e depois entrevistava as crianças. As crianças escondiam o rosto e eram entrevistadas. Portavam metralhadoras, revólveres e granadas. Estavam bem armadas. Eram chamadas de falcões, gíria dada aos menores que se iniciavam no tráfico. Muitas das entrevistas mostravam as crianças visivelmente alteradas. Suas gírias eram como um código esotérico para iniciantes e demonstravam uma fúria e uma coragem descomunal. Que mundo era aquele em que as drogas causavam tanto mal? Ela sabia do problema que algumas pessoas tinham com as drogas, mas também entendia que isso era com uma minoria. Assim como muitos jogam e não se viciam, ou fazem sexo e não se tornam obsessivos e bebem e não viram alcoólatras. Que mundo era aquele em que as drogas faziam tão mal? Faziam mal para quem? E as guerras seriam por causa das drogas? As pessoas brigavam, matavam, se acabavam por um punhado de pó ou de erva? Ou não seria por outros motivos? Ficava pensando.

Pela televisão ela via o mundo. Agora o problema era com as meninas que engravidavam muito cedo. A televisão mostrava as meninas sempre com um sentimento de culpa, envergonhadas, como se tivessem feito uma coisa muito feia. Elas eram sempre pobres em sua maioria, e viviam em lugares bem ruins. Ela não entendia em que mundo era aquele que aquelas barbaridades aconteciam. Será que estas garotas não tinham com quem conversar? Muitas acabavam largando seus filhos por aí, e outras causavam abortos de maneira violenta e acabavam parando no hospital ou até morrendo. Que mundo era aquele tão perto e tão longe dela? Ela tinha amigas que abortaram e quase morreram. Uma amiga sua um dia deixou o feto no lixo. Foi processada. A Igreja não permitia o aborto, os políticos, estavam amarrados a Igreja, os crentes eram objetos de manobra, nunca sujeitos do destino.

Pela televisão ela via o mundo. O apresentador da televisão, naqueles programas de auditório, visivelmente hipócrita, com os olhos injetados de lágrimas se emocionava com a pobreza alheia e enchia os pobres de presentes. Outro de tão gordo, visivelmente cardíaco e sensacionalista discursava vez ou outra indignado com a falta de cultura do País enquanto em seu programa de baixo nível ele nada colaborava com a melhora da informação. Tinha um que era um perfeito playboy, animava as tardes da população com suas peripécias de um milhão de dólares em aviões, asas deltas e viagens pelo mundo. Outro, o mago, mostrava como o mundo era feliz para quem tivesse disposição e muito dinheiro para buscar a sabedoria transcedental pelo planeta.

Pela televisão ela via o mundo, mas nada conhecia daquilo que mostravam.

Desligou a TV. Se levantou e foi até a varanda fumar um baseado com seus pais, a família reunida, na maior harmonia. O pai ao violão, a mão puxando uma canção gostosa e alegre. Noite estrelada, brisa quente de verão. No quarto, já na hora de dormir não quis amar seu irmão com quem se dava ao sexo esporadicamente, pois começava a amar um homem mais velho. Seu professor, já de cabelos grisalhos e gestos sensuais lhe causava curiosidade e paixão. Um dia, ela pensou, escreveria tudo o que a sociedade insistia em satanizar: sexo, maconha e liberdade. Sonhou com a cara de seu filho que um dia nasceria quando ela bem quisesse, seria o seu livro aberto para o mundo, cujas histórias seriam únicas. Seu filho!

Pela televisão ela nunca mais veria o mundo.

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