quinta-feira, 22 de março de 2007

Caliente






Para Edília que tem medo de dizer: “Eu te amo”. Nem que seja por brincadeira.

Ele não poderia entender por que depois de tudo que passaram juntos ela subitamente surtou, e como despertando de um pesadelo, ela saiu correndo para o aeroporto e logo anunciou sua despedida, que viria nas próximas 24 horas. Sua nova vida, que iria levar dali para frente apesar da bela casa em Spring Village, das compras maravilhosas em Bond Street, dos sofisticados artesanatos em Convent Garden e das viagens pelos países vizinhos, tão belos, tão aconchegantes e tão frios no inverno, seria um risco e a deixava ansiosa e ao mesmo tempo relaxada. Paradoxo. A vida, um grande paradoxo. Deixaria o Walter e a Cory seus dois empregados que tanto a amavam cuidando da casa, largaria seus casacos maravilhosos porque em sua nova terra não precisaria deles; esqueceria aquele glamour todo à beira da piscina quente e coberta, e sua estufa de flores dos trópicos à cuidados alheios; sentiria falta das aconchegantes conversas e da excelente qualidade intelectual de seus interlocutores, a começar por Mr. Thompsom, catedrático de Oxford e o homem com quem dividiu a cama por três longos anos e de quem nada podia reclamar: sua galanteria, sua voz doce, seus gestos econômicos, a elegância de um verdadeiro Lord. Só levaria junto com ela Spyke, o cão Terrier, pois sem ela o cãozinho certamente morreria de inanição, e ela precisaria de uma companhia alegre nos primeiros meses de separação. Toda partida é um se partir, é algo que fica e outro que vai para sempre. Impossível qualquer reconciliação futura, os cacos juntados jamais formam o mesmo vaso.

Ele tentou rememorar sua vida conjugal e pessoal, descobrir onde errara, e por mais que tentasse não encontrava explicações para a atitude dela. Chegou a pensar em teorias raciais descabidas, justo Mr. Thompsom, vejam vocês, tão correto em sua ética humanística, em sua retórica clara e lúcida, em sua lógica inteligente. Procurou reconciliar os fatos com os estudos antropológicos dos povos de além mar, se esforçou em aceitar a situação pelo prisma da psicanálise, e até arriscou uma pesquisa nos anais da revista de fisiologia da Universidade, a fim de encontrar alguma resposta, digamos, mais física aos problemas dela.

Mr. Thompsom jamais entenderia o postal que recebera de Olinda, Pernambuco, Brasil:

“Meu amado e querido Henry, muito lhe devo por tudo que sou, por tudo que fui e por tudo que serei! Despertaste em mim a essência de meu ser, de minha terra, de minha gente! Não basta ser amada, é preciso ser desejada. Hoje eu sei!”

“De quem jamais te esquecerá”.

Mr. Thompsom esboçou um sorriso e se fez uma lágrima. No fundo, jamais entenderia aquele jeito “tão Brasil” de ser.

sexta-feira, 16 de março de 2007

Cor de prata






Então como nada me faltava
e tudo nesta vida eu havia completado
me veio a estranha sensação
de que o mar que transbordava em meu peito
de repente se fez represa
e a mariposa que tanto voa de encontro a luz
se liquefez nas chamas ardentes de um desejo
que tudo abarca com seu mel, seu fel, seu réu,
por entre uma multidão agonizante
diante de um mundo caótico
espelhado nas águas de meu sertão
suspenso no fundo do espelho de meus olhos indefesos
refletia não o escuro vermelho
mas o puro cerne da razão,
frágil, inconsistente, cambaleante
e um tanto dispare
entre meus pensamentos teóricos e meus gestos corpóreos
que nada definiam naquele imenso céu de azul
que encontra o mar do outro lado da margem desta vida
que de tanto amar se fez luar
e rareou nas raias rasas de minhas veias
cor de prata

quinta-feira, 15 de março de 2007

Di número 1



Ai que delícia
abrir o emeio
e ver ela ali
atrás de suas
mentiras...

terça-feira, 13 de março de 2007

Televisão






Pela televisão ela via o mundo. Mas que mundo era aquele? Todo santo dia tinha uma história, que diziam ser uma reportagem sobre as drogas. Primeiro a repórter subia o morro, escoltada por traficantes e depois entrevistava as crianças. As crianças escondiam o rosto e eram entrevistadas. Portavam metralhadoras, revólveres e granadas. Estavam bem armadas. Eram chamadas de falcões, gíria dada aos menores que se iniciavam no tráfico. Muitas das entrevistas mostravam as crianças visivelmente alteradas. Suas gírias eram como um código esotérico para iniciantes e demonstravam uma fúria e uma coragem descomunal. Que mundo era aquele em que as drogas causavam tanto mal? Ela sabia do problema que algumas pessoas tinham com as drogas, mas também entendia que isso era com uma minoria. Assim como muitos jogam e não se viciam, ou fazem sexo e não se tornam obsessivos e bebem e não viram alcoólatras. Que mundo era aquele em que as drogas faziam tão mal? Faziam mal para quem? E as guerras seriam por causa das drogas? As pessoas brigavam, matavam, se acabavam por um punhado de pó ou de erva? Ou não seria por outros motivos? Ficava pensando.

Pela televisão ela via o mundo. Agora o problema era com as meninas que engravidavam muito cedo. A televisão mostrava as meninas sempre com um sentimento de culpa, envergonhadas, como se tivessem feito uma coisa muito feia. Elas eram sempre pobres em sua maioria, e viviam em lugares bem ruins. Ela não entendia em que mundo era aquele que aquelas barbaridades aconteciam. Será que estas garotas não tinham com quem conversar? Muitas acabavam largando seus filhos por aí, e outras causavam abortos de maneira violenta e acabavam parando no hospital ou até morrendo. Que mundo era aquele tão perto e tão longe dela? Ela tinha amigas que abortaram e quase morreram. Uma amiga sua um dia deixou o feto no lixo. Foi processada. A Igreja não permitia o aborto, os políticos, estavam amarrados a Igreja, os crentes eram objetos de manobra, nunca sujeitos do destino.

Pela televisão ela via o mundo. O apresentador da televisão, naqueles programas de auditório, visivelmente hipócrita, com os olhos injetados de lágrimas se emocionava com a pobreza alheia e enchia os pobres de presentes. Outro de tão gordo, visivelmente cardíaco e sensacionalista discursava vez ou outra indignado com a falta de cultura do País enquanto em seu programa de baixo nível ele nada colaborava com a melhora da informação. Tinha um que era um perfeito playboy, animava as tardes da população com suas peripécias de um milhão de dólares em aviões, asas deltas e viagens pelo mundo. Outro, o mago, mostrava como o mundo era feliz para quem tivesse disposição e muito dinheiro para buscar a sabedoria transcedental pelo planeta.

Pela televisão ela via o mundo, mas nada conhecia daquilo que mostravam.

Desligou a TV. Se levantou e foi até a varanda fumar um baseado com seus pais, a família reunida, na maior harmonia. O pai ao violão, a mão puxando uma canção gostosa e alegre. Noite estrelada, brisa quente de verão. No quarto, já na hora de dormir não quis amar seu irmão com quem se dava ao sexo esporadicamente, pois começava a amar um homem mais velho. Seu professor, já de cabelos grisalhos e gestos sensuais lhe causava curiosidade e paixão. Um dia, ela pensou, escreveria tudo o que a sociedade insistia em satanizar: sexo, maconha e liberdade. Sonhou com a cara de seu filho que um dia nasceria quando ela bem quisesse, seria o seu livro aberto para o mundo, cujas histórias seriam únicas. Seu filho!

Pela televisão ela nunca mais veria o mundo.

segunda-feira, 12 de março de 2007

No Gargalo





De manhã
A danada
Tinha lábios de cachaça
No almoço
Seus lábios eram
De vodka com tremoço
Logo a tarde
Tequila
Te quero
Lábios de menina
E a noite
Seus lábios calientes
Degustavam
Outras bebidas
Mais quentes





domingo, 11 de março de 2007

Ela é de Leão





Voltei com mais um blog. Até agora foram centenas, milhares, perdi a conta. De conta não sou bom, matemática não é o meu forte, detesto os números. Que dia é hoje? quanto é? qual a sua idade? foi em que ano? não sei, não me perguntem, esqueci.


O nome do blog? Sei lá. Este nome ai estava disponível. Vejam só. Por que um novo blog? Acreditem-me, só para mandar um recado para um outro blog que não aceita penetra, bicão, e estas coisas que pensam que podem entrar em qualquer lugar assim de qualquer jeito.


Ela é de Leão e eu nunca vi nada igual. Nada! Tudo é Nada! Tudo!
A moça ai de cima da foto com uma joaninha. Estava no SESC Pinheiros e a vislumbrei. Uma bela vislumbrada não deixaram dúvidas. Talento puro. Aí la vai ela brincar com o público, voar, saltar, sorrir, dançar, voar, voar e te deixar voando, voando... Nunca vi nada igual, nem quero, quero ficar com aquilo que nem nome tem, com aquela sensação, com aquilo tudo, com este Nada por dentro, sentindo um vazio de não sei o que, talvez de voar... mas como se estou no ar? Ela é de Leão, leia seu nome de todo jeito e vai estar sempre ali certinho, da esquerda pra direita, da direita pra esquerda, e no meio uma Luz, uma Luz tão forte que só poderia ser feminina. Luiza.
Puta força d'alma, o brilho nos olhos e dos olhos, o sorriso enigmático, contagiando, agindo, transformando, criando...
Ana Luiza Leão, atriz, dramaturga, sensível, vibrante, arrebatadora, genial, simpática, educadíssima, elegantérrima, invejável, inesquecível.
LINDA!